Hoje em dia é impossível falar dos tintos Cem Reis, da Herdade da Maroteira, sem nos dissociarmos das polémicas sobre ele criadas nos últimos anos. Ela é indissociável do vinho e o Cem Reis também a cavalga, tornando-se com isso amado e odiado.

Mas, de que resulta a polémica senão de um acto de amor antigo que, aparentemente, terá traído o amado que, hoje, lhe jura guerra eterna.
O namoro começa a nascer em 2005, ano de nascimento do Cem Reis. À data os seus mentores estavam longe de imaginar a subida ao Olimpo dos mais desejados. Contudo, o caminho não se fez sem espinhos. A Herdade da Maroteira tinha como missão dar a conhecer ao Mundo um vinho com um rótulo bonito e curioso, mas totalmente desconhecido nos mercados. No início tudo passou por um trabalho de enorme esforço pessoal, de contacto boca a boca, marketing muito direcionado que foi criando o burburinho à volta do vinho, despertando a curiosidade não só dos consumidores, mas também da distribuição.

O caminho iniciava-se aqui e, já com a colheita de 2011, o Cem Reis começa a ser cada vez mais badalado, culminando com o facto de ter sido considerado o 8º Melhor Syrah do Mundo, no Concurso International Syrah du Monde, em 2013. A partir daí tornou-se um dos vinhos mais cobiçados para ter no copo e, aliado a produções mais baixas, o preço disparou na mesma proporção do seu prestígio. Convenhamos, estamos a falar daquele que é por muitos (mesmo muitos) considerado o melhor Syrah de Portugal. E, sendo cada vez mais raro (por exemplo, a Colheita de 2016 esgotou no produtor no mesmo dia em que foi lançado) é natural que o seu preço fique muitas vezes ao livre arbítrio de quem o vende. Quanto a isto, pouco ou nada há a fazer, porque o mercado dos vinhos não é regulado,  e ainda bem.

Outro dos “innuendos” associados ao vinho pelos seus detractores, respeita às suas características. Levando-me este assunto a uma outra questão. O que estamos à espera de encontrar num tinto nascido no quente Alentejo, ali entre Estremoz e o Redondo, onde no Verão as temperaturas facilmente superam os 45º, criado a partir da Syrah, que encontrou nesta região o seu Jardim do Éden, por se adaptar como um camaleão aqueles solos pobres e à severidade das temperaturas? Acidez elevada? Tanino vigoroso? Frescura? Não se pode pedir o impossível, nem contrariar a Mãe Natureza, não é?

Bom, perante o “buzz” criado à volta do vinho e as lágrimas de James Purefoy, no “The Wine Show”,  a curiosidade adensou-se e, graças à generosidade do meu amigo Paulo Duarte, a oportunidade surgiu e foram levadas 3 colheitas à mesa – 2013, 2015 e 2015 – sendo que, hoje, vou deter-me apenas na de 2013 porque foi o vinho que se destacou, pese embora a infelicidade da colheita de 2014 apresentar TCA.

O CEM REIS tinto 2013, 100% Syrah, nasce de uma vindima manual para caixas de 20 quilos, as fermentações (maloláctica e alcoólica) são naturais e espontâneas, sofrendo uma maceração pelicular durante 20 dias, para uma perfeita extracção dos aromas, cor e tanino para o vinho. O estágio ocorreu durante 16 meses, 50% em barricas de carvalho francês e 50% em barricas de carvalho americano.

Na prova, a minha preferência apontou para a colheita de 2013 porque, na verdade, o achei mais completo e complexo. Não se mostrando tão maduro, o nariz revelou mais complexidade, saltitando entre a possante presença da fruta preta – mirtilo, arando, amora – e as notas de especiaria, pimenta preta, cacau, tostado. É, na verdade, um tinto que conquista pelo aroma, pela sua riqueza, sendo fácil perceber porque muita gente lhe é devota. Na boca, é uma desejada sombra na imensa planície alentejana, mais fresco que o seu irmão de 2015, mas possante, vigoroso e quente. O álcool mostra-se mas não domina. O tanino, como se impunha,  é pura macieza e sedosidade, criando um tinto opulento, carnudo, dominado pela boa fruta e um trabalho de barrica muito apurado que o transformam num objecto de culto. Compreendo quem não aprecie a subida de preços, que tornou o vinho menos acessível e democrático. Compreendo quem, apreciando frescura, tanino e vibrância o menorize.
Contudo ninguém poderá dizer que não estamos perante um grande vinho do quente Alentejo.