Oficialmente, o percurso do médico oftalmologista João Póvoa como produtor de vinho com marca própria nasce em 1991, com a Quinta de Baixo. Contudo, a história do homem que escolheu a medicina por profissão e o vinho por devoção, começa na meninice onde o cheiro das adegas já era um bálsamo à criatividade.

Hoje, o rosto de João Póvoa carrega, metaforicamente, uma vinha velha, onde o tronco enrugado e a retorcida forma da videira não são mais que uma prova viva da resiliência que é necessária para ultrapassar obstáculos difíceis e, alguns deles, pessoais.

O  pretexto para esta reportagem tem o nome de “Gene”, um vinho que sublinha aquela unidade indispensável da hereditariedade, dos laços e cadeias que nos unem a quem nos fez nascer, crescer e vingar.
Este tinto da colheita de 2007 tem uma simbologia e podia ter um rosto feminino da memória da “Zézita”, uma mulher que tratava a vinha por tu e marcava o compasso de harmonia entre a terra e a Adega.
O genoma familiar de ligação à vitivinicultura remonta aos princípios do século XX, em que a cultura da vinha e a criação do vinho faziam parte do quotidiano do avô do produtor na povoação da Cordinhã, uma freguesia de solos pujantes do concelho de Cantanhede, tantas vezes apelidada de celeiro da Bairrada. Nos anos 50, os seus pais já eram proprietários de parcelas significativas de vinha e procederam à remodelação de uma casa familiar tornando-a mais apta à vinificação, sem nunca prescindirem dos métodos tradicionais. Aos 7 anos, João Póvoa baptizou-se a auxiliar nas vindimas da casa familiar. No entanto, desde essa altura constatou que não era a vinha quem mais o inspirava, mas a alquimia da adega e a criação dos vinhos que, nos anos 60, eram vendidos ao mítico director do Palace Hotel do Bussaco, José Santos, os quais vinham a compor o lote dos afamados “Buçaco”. O visionário Sr. Santos já nos anos 60 confiava no valor seguro dos vinhos do terroir da Cordinhã, mantendo durante muitos anos uma relação privilegiada com António Póvoa da Conceição, a qual se manteve até meados dos anos 80.

A emancipação vinícola de João Póvoa nasce de uma certa rebeldia que o leva, já no final dos anos 80, a procurar um caminho próprio, não prescindido, no entanto, de ter e manter sempre junto a si a mãe, mulher-terra, dona de uma anciã sabedoria de viticultura que a tornou pioneira das mondas expressivas, acto até então quase blasfemo aos olhos de uma sociedade encerrada às mudanças. Esses eram os tempos em que os frutos da monda eram enterrados sob a terra, para evitar os maldizeres. Já em meados dos anos 90, a monda para o chão foi substituída pela monda para espumante, e aí nascem os primeiros Blanc de Noir da Quinta de Baixo.

No entanto, a paixão de João Póvoa pela Adega e pelo vinho não cessou. Nele havia o gene da criação e o respeito pela conjugação dos factores – solos, climas e castas

A história, a partir daqui é conhecida, culminando em 2007 com a venda da Quinta de Baixo por razões de saúde. No entanto, a paixão de João Póvoa pela Adega e pelo vinho não cessou. Nele havia o gene da criação e o respeito pela conjugação dos factores – solos, climas e castas – que criam os grandes e míticos vinhos da Bairrada, entretanto com a marca Kompassus e 5 hectares das melhores vinhas que Deus e o Homem criaram na Bairrada. E é nesse mesmo ano de 2007 que nasce o “Gene”, vinho de autores, resultante da simbiose mãe-filho, da escolha da melhor matéria-prima, aliada a um saber que bebeu conhecimento nos antepassados, criando um vinho absolutamente clássico, com barricas adaptadas a balseiros, lagares abertos e controlo de temperatura com serpentinas artesanais. Durante 2 anos, o vinho onde manda a casta Baga, sendo acompanhada de Bastardo, Moreto e umas pitadas de Touriga Nacional, estagiou nos balseiros que foram fechados e “retransformados” em barricas, tendo outra parte estagiado em barricas novas de 300 litros, sendo este o cunho mais pessoal que João Póvoa conferiu ao vinho . De lá até cá, foi um vinho para os amigos, um vinho de convívio e preservação das relações pessoais. Hoje, torna-se um vinho para todos nós, ainda que muito exclusivo face às diminutas quantidades engarrafadas – 1500 garrafas.

Ao vinho, regressaremos com a sua nota de prova brevemente.