20 de Agosto de 1973

Como referi, parece ter chegado o momento de também a esta região vinhateira por excelência ser prestada justiça. Todavia … sucede muitas vezes que no decorrer do discurso (descrição, melhor diria) apareça inopinadamente uma adversativa, tal qual como agora, à laia de passaroco de mau agoiro. Vejamos o caso com maior objectividade.

Embora tarde, o Governo concluiu pela necessidade urgente de serem demarcadas mais regiões produtoras de vinhos de qualidade que possamos lançar na senda de descobrimento de novos mercados, desde que, primeiro os do Brasil e ultimamente os das próprias províncias ultramarinas se perderam para a comercialização de vinhos comuns atreitos a diversas mixordices praticadas cá, lá e até pelo caminho.

E disse que embora tarde, pois que, tendo sido Portugal o primeiro a estabelecer uma Região Demarcada, a do Douro, peticionada por catorze dos “Principais Lavradores de cima do Douro, e Homens Bons da Cidade do Porto” com mais Sebastião José de Carvalho e Mello a encimar a representação dirigida a Sua Magestade o senhor D. José I, em 31 de Agosto de 1756, foi por El-Rei a mesma estabelecida pelo Alvará de confirmação, de 10 de Sebembro do mesmo ano.

De que haja conhecimento, somente noventa e nove anos depois a França estabeleceu a primeira Região Demarcada, a de Bordeus, facto de que demonstra grande orgulho.

É certo que, entre nós, em 1866 e por Portaria de 10 de Agosto, foi nomeada uma comissão encarregada de estudar as diversas regiões vinhateiras do Reino, mas dela somente faziam parte três elementos e a cada um dos quais foi delimitada a respectiva área de estudo.

Indicam-se os seus nomes, bem como as zonas correspodentes aos seus trabalhos:

Visconde de Vila Maior, com a área ao norte do rio Douro:

António Augusto de Aguiar, com o carredo das partes de entre Douro e tejo, com excepção do distrito de Lisboa:

Joaquim Ignácio Ferreira Lapa, a quem coube o distrito de Lisboa e todos os territórios ao sul do Tejo.

Mas … pasmem agora os leitores.

Esta comissão foi nomeada, como referi, em Agosto de 1866, há mais de um século, quando os comboios existentes eram ronceiros, as vias rodoviárias de macadame quando não de ínvios caminhos de terra batida, não se sonhava com automóveis e muito menos com aviões, etc., etc. Pois em 1867 o estudo estava feito e publicado em volume.

Se fosse nos nossos dias …

Nesse trabalho, publicado em conjunto mas com as respectivas indicações de cada um dos seus autores, existe um único mapa e este refere-se ao País Vinhateiro da Bairrada.

Desactualizado? Bastante. No entanto, não poderá ser ignorado quando forem estabelecidos os novos limites da Região.

  1. facto interessantíssimo. Nesse mapa vêm marcadas, a cores diversas, três sub- regiões, porquanto em moldes completamente diferentes dos usados em França. Nele, as sub-regiões são designadas por: região de vinho branco, região de vinho tinto de embarque e região de vinho de consumo.

Os limites geográficos estabelecidos, são: ao Norte, o concelho da Mealhada, nesse tempo considerado o coração da Bairrada, e parte do concelho de Cantanhede; ao Centro, o concelho de Anadia; ao Sul, o concelho de Oliveira do Bairro.

A linha divisória passa mesmo junto de Souzelas, mas não inclui esta terra; Aguada de baixo, também excluida; excluido também o restante do concelho de Aguada, quase todo o concelho de Oliveira do Bairro assim como sucede ao de Cantanhede e todos os de Vagos e Aveiro.

Vamos agora explicar as reticências colocadas a seguir a todavia inicial, usando a objectividade citada logo após.

Para que a Demarcação da Bairrada seja eficaz, mister se torna que a vitivinicultura a aceite de boamente depois de bem a compreender.

Ora, sucede que, quem de direito encarregou a Junta Nacional do Vinho de fazer um estudo prévio sobre o assunto e aquele Organismo designou para tal um seu funcionário readmitido que, embora seja competente e honesto, foi desde sempre contra a demarcação.

 

O óbice principal, contudo, está na Junta.

Enquanto a J.N.V. teimar na cobrança da amaldiçoada taxa lançada ao próprio vinho que os lavradores consomem em suas casas, ninguém, mas ninguém que ainda moureja nas terras bairradinas, lhe concederá resquícios de simpatia ou crédito. Daí, não resultar um inquérito rigoroso, como seria de esperar, pelo qual o Governo inferisse com verdade da opinião dos produtores.

Isto é dito com toda a sinceridade e sem ressaibos de qualquer revindita.

Ouso daqui fazer apelo ao senhor Secretário de Estado da Agricultura no sentido de remediar ainda, sendo possível, esta situação.

A Bairrada, na sua grande maioria, quer demarcar-se. Mas se for a J.N.V. a proceder à operação, mesmo que venha animada das melhores intenções, como nada me custa a crer, a vitivinicultura ou silenciará ou dirá que não. Aquela taxa empeçonha-nos de tal maneira …

Américo Urbano