Há uns dias lia um artigo de Pascal Chatonnet sobre a conceptualização da mineralidade no vinho, expressão que tantas vezes usamos para o caracterizar, quando, na verdade, ela própria nem existirá cientificamente. E aquilo que semanticamente usamos, e por vezes abusamos, para a ciência não passa de um conceito vago. Na verdade, a mineralidade na enologia não é mais que uma manifestação de imagens mentais do que propriamente uma realidade tangível. Assim, a mineralidade, per se, não existe, e a sua percepção resultará sobretudo da interacção dos diversos aromas e sabores entre si. E, deste modo, ela existe porque a criamos.
Ao levar o Quinta Valle Madruga Gouveio, da colheita de 2018, ao nariz a primeira percepção que o cérebro me transmitiu foi a da mineralidade, logo seguida das notas da fruta de caroço e o ligeiro floral. Mas, para mim, a mineralidade estava lá, querendo o cérebro associá-lo aos solos xistosos, aos 400 metros de altitude da vinha e às amplitudes térmicas de Trás-os-Montes. E tudo se conjuga de forma mais intensa porque este Gouveio teve apenas uma ligeira filtração, o que só lhe trouxe virtudes. O equilíbrio entre aroma e boca é notório, e os tons ligeiramente dourados confirmam alguma evolução na boca, que, tendo eu provado este vinho há cerca de um ano, se torna bastante positiva pelo facto de ter perdido a tropicalidade que evidenciava, agora transformada em sabores mais compotados.
É uma afirmação da irreverência e qualidade dos vinhos de Trás-os-Montes, que já nada têm a provar, mas ainda necessitam de se afirmar com preços condizentes com a consistência que exibem. É muito vinho para preço tão baixo.