“O meu entrevistado de hoje melhor ficaria no início ou no encerramento deste inquérito-relâmpago. E que, ninguém desta região, presentemente, se terá debruçado com mais carinho sobre a historiografia do vinho em geral e do da Bairrada em particular, do que ele.
Luís Ferreira da Costa _ Luís Costa, como é conhecido — é sócio gerente das Caves de S. João, situadas no lugar de S. João da Azenha, freguesia de Sangalhos, casa fundada em 1920 pelos três irmãos Costa: José, Manuel e Albano, este felizmente, ainda vivo. Luís era filho do segundo e genro do primeiro, razão da sua permanência na firma Irmãos Unidos, que, afinal, é pertença daquele sócio fundador Albano, de seus dois filhos, bem como de todos os filhos dos dois irmãos falecidos. É, bem se pode dizer, uma sociedade familiar.
Luís Costa é uma fonte perene de curiosas informações para quantos procuram esclarecer-se sobre assuntos vínicos. E eu que o diga. Já agora, um exemplo a justificar o assunto supra.
Quando a uma das minhas filhas o mestre de Geografia lhe indicou para tese de licenciatura um estudo sobre a região vinícola da Bairrada, foi ao Luís Costa que primeiro a recomendei e em boa hora, pois muito a ajudou na ardorosa tarefa.
E justo é confessar mais!

Quando nestas lides ingratas, é preciso recorrer a princípios irrefutáveis, lá vou até ao Luís Costa, ou melhor, à sua biblioteca, e sempre trago dali valiosos ensinamentos. O seu a seu dono.

Vamos ouvir Luís Ferreira da Costa:

1o. — Vantagens da demarcação: não só o vinho tem direito a demarcação.
— Muitas, principalmente para o consumidor, sendo este um aspecto que não tem sido focado e, quanto a mim, o mais importante. Pense no caso do nosso maravilhoso queijo da Serra da Estrela (como sabe, as denominações de origem ou marcas de origem — demarcações implícitas — não são uma exclusividade dos vinhos); quanto beneficiaria o consumidor com um controle deste tipo.
O Dr. Jaime Lopes de Amorim, no seu magnífico estudo “Aspectos do problema da Protecção das Marcas de Origem Vinícolas e Sua Evolução” , diz, falando da
importância e finalidade das mesmas: “Constituem um meio seguro de o consumidor poder adquirir o produto verdadeiro com cujas qualidades intrínsecas se haja familiarizado. Por sua vez o produtor e o comerciante bem intencionados têm todo o interesse na existência e manutenção das marcas de origem porque elas lhe asseguram a fidelidade de uma clientela que se habituou ao consumo de produtos que ma mais exactamente correspondem aos seus gostos pessoais”. Todas as outras vantagens, e são muitas, resultam destas como consequência lógica.

Uns dizem que a Bairrada lucraria sempre mais não se demarcando do que estando demarcada …
— Pela resposta à pergunta anterior, poderá ver que esta questão não tem razão de ser. Se há alguém que assim pense, é natural que o problema lhe tenha sido mal apresentado. Como disse, a grande vantagem seria para o consumidor em primeiro lugar e, só depois, para a Bairrada, logicamente. Enumerar todas essas vantagens será mesmo desnecessário, por demasiado evidentes. Vou mais longe: se esta campanha estivesse a ser seguida por um observador estrangeiro evoluído, um simples viticultor francês, por exemplo, ele pasmaria. Como será possível na década sétima do século vinte, pôr em dúvida as vantagens duma demarcação e controle de uma região produtora de vinho de qualidade e tipicidade, com características inegáveis na maior parte dos vinhos da nossa terra. Como é possível?! Que juízo farão os viticultores da Bairrada daqui a algumas décadas se nós hoje não soubermos lutar pela demarcação?

B — Outros alegam que não existe um tipo de vinho “Bairrada”, antes existem diversos, será assim?
— Estão errados, mas mesmo que assim fosse, tal não seria obstáculo à demarcação. Seria desconhecer tudo quanto os franceses, e nem só eles, têm feito nesse campo. Bordéus e Borgonha, só para citar as duas principais zonas francesas de A.O.C., estão divididas em muitas sub-zonas que, por sua vez, se subdividem em dezenas de outras mais pequenas. Sou partidário desta solução, mas não para já. Não pense em ir à lua quem não saiba fazer mais do que um foguete de “três tiros”. Há que conhecer bem o caso francês para saber dos inconvenientes de, para já, o aplicar ao nosso caso; cada pé tem a sua medida; não podemos passar do tamanco para o sapato de verniz; temos de acomodar o pé primeiramente.
Eu entendo, contudo, que, na Bairrada, existe de facto um vinho característico. Negar a existência de um tipo de vinho “Bairrada” ultrapassa o absurdo. A menos que não se tenha noção do que significa “tipo”. Considere o caso. por exemplo, de sete irmãos; por certo todos eles são diferentes, mas qualquer pessoa notará neles o mesmo tipo, os mesmos traços de família, embora possa haver uma ou outra característica diferente que, regra geral, valoriza.
Com os vinhos da Bairrada, ou com quaisquer vinhos de qualquer região demarcada do mundo, acontece o mesmo. Excepções? Talvez, mas essas são necessárias para confirmar a regra.

C — Outros advogam a tese de ser quase impossível delimitar geograficamente a região, dada a diversidade de solos. Concorda?
— Se compararmos a tal “diversidade” de solos da Bairrada com a diversidade de solos de outras regiões vinícolas demarcadas, portuguesas ou não, podemos concluir precisamente o contrário e considerar, neste aspecto também a Bairrada vinícola relactivamente homogénea. Compare-a com o Douro, Dão ou Vinhos Verdes; têm solos de xisto e solos provenientes de granito e não foi esse facto inibitório da demarcação. Solos tão dispares como estes, não existem na Bairrada.
Vejamos o que escreveu Amorim Girão: A palavra BAIRRADA significa conjunto de barros, tomando o termo bairro (antigo barrio) não na acepção usual de povoação, mas no sentido, que lhe dá a linguagem popular, de certos terrenos em que o barro predomina” E mais: “No ponto de vista geográfico, distingue-se (a Bairrada) pelas suas formas atenuadas de relevo, mas especialmente pelas suas culturas, que imprimem à paisagem uma fisionomia especial”; e ainda: “A cultura da vinha, dando origem a um tipo especial de vinhos maduros, conhecidos pelo nome de Bairrada, é a mais característica forma de ocupação do solo”. A diversidade de solos seria, portanto, um pequeno factor a considerar, e nunca uma condição “sine qua non”.

D — Outros ainda contestam que as delimitações são princípios de tirania quando o mundo pretende liberdade. Sobre isto …
— Não vejo que assim seja, antes pelo contrário, além de que o conceito de liberdade se tem vindo a actualizar. Se alguém tal afirmou em épocas recuadas, talvez nessa altura tivesse alguma razão … mas não hoje. Perante os condicionalismos e factores actuais, necessariamente esses outros pensariam presentemente de outro modo. É razoável e lógico.