A Arte Xávega da Praia de Mira é uma das práticas artesanais que resistiu em Portugal à voracidade da União Europeia em uniformizar os Estados membros. Se há algo que a União Europeia se pode gabar é de ter sido um factor de destruição das nossas práticas etnográficas, culturais e gastronómicas. A cegueira legislativa, regendo pela mesma bitola países com características e costumes diametralmente diferentes levaram à quase extinção de práticas ancestrais e que eram também meios de subsistência de comunidades inteiras.

Porque Portugal não pode unilateralmente alterar a regulamentação comunitária vigente, promoveu, a partir de 2015, um estudo que visava recolher dados substanciais para demonstrar junto da Comissão Europeia a necessidade de regulamentação específica que permitisse a preservação, por questões etnográficas e culturais, da arte xávega, que já está proibida em todo o espaço comunitário, e a possibilidade de venda de peixe com tamanho mínimo inferior às dimensões regulamentadas.
Até então, muito do peixe capturado pelas redes era atirado ao mar, já morto, porque, segundo a lei, era subdimensionado e não podia ser vendido. Esta proibição levou ao crescimento do mercado paralelo de venda fora da lota, numa tentativa de subsistência dos pescadores artesanais a quem a Europa apertava o nó górdio.

Actualmente, a legislação já protege a arte xávega, permitindo a captura e comercialização de carapau ainda que inferior ao tamanho mínimo, desde que a captura seja realizada no primeiro lanço e em embarcações de arte xávega devidamente documentadas. Contudo, mesmo nesses casos, a pesca é interrompida até ao virar da maré, após um lanço com capturas de espécimes com tamanho inferior ao tamanho mínimo de referência de conservação.

O carapau, de nome científico trachurus trachuros, é uma espécie de parente pobre da gastronomia portuguesa, quase ausente de todos os compêndios de culinária e ostracizado durante séculos. Contudo, não haverá peixe mais versátil nos seus vários estágios de evolução, desde o jaquinzinho até ao opulento chicharro. Pelo meio fica o pelim, de tamanho maneirinho, envolto em farinha, a quem uma fritura a elevada temperatura confere a crocância que nos obriga a comê-lo à mão, pegando-lhe pelo rabo, sem deixar um mínimo vestígio dele na borda do prato. Diz-se que acompanha bem com arroz de tomate coração de boi, mas para que ele seja mesmo perfeito, tem que ser pescado com arte na Praia de Mira.