Vai para uma vintena de anos que, na Imprensa, em congressos próprios e em todas as demais ocasiões que se proporcionam a tal, tenho vindo a defender esta causa. E quem, por mais estranho que pareça, se tem oposto à ideia têm sido alguns do técnicos de enologia e os armazenistas de vinhos da própria região. É verdade que os primeiros, em geral, estão mais ou menos intimamente ligados aos segundos.

Já em 1962, nas Jornadas Vitivinícolas organizadas pela Junta Nacional do Vinho, ao defender uma tese sobre este assunto, o mais encarniçado opositor que se me deparou na controvérsia posterior à leitura do trabalho apresentado foi, nada mais nada menos, o próprio delegado regional junto daquele Organismo de Coordenação Económica, alegando que existia uma verdadeira região vinícola bairradina, dada a diversidade dos seus vinhos. Este senhor, como então lhe lembrei, na sua fobia contra ideias estranhas, até negou a legitimidade do lugar que ocupava e ocupa ainda, pois parece que o tomou de avença perpetuamente.

Contra mim e tão assanhadamente se ergueu o maior enólogo da região, se não mesmo de Portugal, o eng. Mário Pato, a ponto que, durante alguns anos interrompemos amistosíssimas relações de décadas, felizmente já restabelecidas.

Em boa verdade se poderia dizer que pelegei sozinho, não obstante as adesões verbais que fui recebendo de diversos vitivinicultores e o franqueamento que sempre tive nas colunas do “Jornal da Bairrada”

Nem mesmo depois de a J.N.V. ter admitido a possibilidade da demarcação de novas regiões vinhateiras, entre as quais a da Bairrada; nem sequer ante aquela demonstração inequívoca de não serem concedidos aos vinhos bairradinos certificados de origem; até com a negaça, há anos feita, de ser criado na região o Instituto dos Vinhos Espumantes Naturais, nada conseguiu convencer e vencer aquilo a que eu, duramente, denominava caturrice. Tudo menos confessar um engano, porquanto humanamente explicável e aceite.

Vem agora uma determinação superior — que tantas vezes peticionei!— a determinar a criação de novas regiões demarcadas e lá figura a da Bairrada, não como a primeira a sê-lo, embora nenhuma outra a isso tivesse tanto jus.

Sobre o caso restrito à nossa, desejo, para já, trazer à consideração dos leitores dois leves apontamentos:

 

1° – Há dias, em Aveiro, o distinto engenheiro-agrónomo Oliveira Silvestre dissertou sobre problemas que afectam a região bairradina e até poderão ser fatais para os seus apreciados vinhos, a não se tomarem providências urgentes. Esqueceu-se, porém e, quanto a mim, de focar, com uma palavra sequer, o caso da demarcação. Por isso, e logo que o diálogo se estabeleceu, usei da palavra para lastimar a omissão e ao mesmo tempo lhe perguntar a sua opinião a respeito, que considerava — e considero triplamente válida: como técnico conceituado, como produtor e como sócio de uma das mais importantes caves bairradinas.

Em resposta, o amigo, de há bastantes anos, referiu a sua relutância de sempre pela demarcação, em virtude de na Bairrada não existir um só tipo de de vinho, dada a diversidade do seu solo. Por isso, ele não sabe como limitá-la geográficamente.

Refutei-lhe com os casos de França, em que em cada uma das suas regiões vinhateiras existirem diversas sub-regiões, excepção feita à de “Champagne”.

– Disse ainda que os nossos vinhos, mesmo sem demarcação, atingem preços superiores aos de outros e que, para a manutenção da sua valiosa indústria de preparação e armazenagem de vinhos, convém que não existam barreiras na entrada de outros indispensáveis para lotes.

– Objectei que, se a Bairrada deixar de receber vinhos de inferior qualidade que aqui loteia e prepara os seus convenientemente eles terão muito melhor aceitação nos mercados externos — e até internos — pois além de serem dos melhores de quantos se produzem em Portugal, com certificado de origem maior crédito alcançarão e melhores preços obterão. Além disso, nós poderemos enveredar pelo campo da selectividade sem sermos forçados à quantidade para nos defendermos de concorrências estranhas em que a quantidade e o teor sacarino predominam.

E ainda mais: temos o caso dos espumantes naturais que deveremos acarinhar e nesses é que só um selectivismo muito cuidado nos pode favorecer e proporcionar em futuro mais próximo ou mais longínquo, uma maior expansão. Por último, Oliveira Silvestre confessou que, afinal, hoje, já é 90% pela demarcação.

2° apontamento  – Apareceu agora um antigo inimigo da demarcação a falar sobre o caso, já um pouco às avessas da primeira fase.

Oxalá que venha por bem. Mas, como deu a entender em artigo publicado em jornal local, terá sido ele encarregado efectivamente de fazer estudo sobre o caso, ou será por simples alvedrio seu? Com que fim? Definir posições parece-me justo e oportuno.

Voltarei ao assunto.

 

Américo Urbano